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Jurisdição em disputa: tribunais enfrentam desafios de PI

Tema de propriedade intelectual foi debatido no 45º Congresso Internacional da ABPI, em São Paulo, após decisão do STF sobre limites da eficácia de decisões estrangeiras, sobretudo que restrinjam o acesso ao Judiciário brasileiro

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Jurisdição em disputa: tribunais enfrentam desafios de PI

O avanço das disputas internacionais em torno da propriedade intelectual (PI) tem colocado à prova a atuação e a autonomia dos tribunais brasileiros. A natureza territorial dos direitos de propriedade intelectual entra em choque com a crescente internacionalização de atividades econômicas dependentes de padrões tecnológicos de alcance global, como 5G e Wi-Fi. Nesse cenário, o desafio é assegurar a eficácia de decisões nacionais envolvendo patentes brasileiras diante da pressão imposta por autoridades judiciárias estrangeiras.

Embora não tratasse diretamente de patentes, essa tensão entre a soberania nacional e ordens vindas do exterior esteve no centro da decisão proferida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (18). O caso envolveu medida cautelar expedida pela Justiça inglesa que buscava impor a entes públicos e privados brasileiros a obrigação de não litigar no Brasil.

O assunto foi tema do painel “Eficácia das decisões em matéria de PI e a manutenção da soberania dos tribunais brasileiros”, realizado nesta terça-feira (19), no 45º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), em São Paulo. Mediada pelo advogado Eduardo Hallak, sócio do escritório Licks Attorneys, a mesa contou com a participação da juíza federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), Marcia Nunes de Barros, e da professora de Direito Internacional Privado da PUC-Rio, Nadia de Araujo.

Em sua abertura, Eduardo Hallak explicou o contexto da decisão do STF. “Trata-se de uma ADPF ajuizada pelo Ibram para declarar a inconstitucionalidade da atuação de municípios que buscaram litigar fora do país fatos ocorridos em território nacional. Mas, paralelamente, os municípios obtiveram na Justiça inglesa uma medida cautelar contra o Ibram, obrigando-o a desistir de um pedido feito aqui no Brasil. A decisão favorável da corte inglesa foi justamente o gatilho para a manifestação do ministro Flávio Dino. Ao rejeitar a aplicação automática dessa determinação no território nacional, o ministro reafirmou que apenas o Judiciário brasileiro pode definir os efeitos de decisões estrangeiras, em respeito ao artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e ao artigo 960 do CPC”, avaliou.

Com efeito, por determinação constitucional, cabe ao STJ o importante papel de filtrar o recepcionamento de decisões estrangeiras no ordenamento brasileiro, explica a professora Araujo. Sem a homologação, o provimento estrangeiro não é passível de produzir efeitos. Embora não trate de patentes, a decisão do ministro Flávio Dino traz à tona o crescente desafio dos tribunais brasileiros: assegurar a validade de sua atuação dentro do território nacional e, ao mesmo tempo, dialogar com regimes internacionais e decisões estrangeiras.

No âmbito de litígios transnacionais, a situação ganha ainda mais complexidade com a proliferação de medidas chamadas “antiprocessuais”, adotadas em jurisdições estrangeiras. Entre elas, a anti-suit injunction (ASI), que determina que uma das partes não inicie ou suspenda uma ação em outro país; a anti-anti-suit injunction (AASI), voltada a neutralizar uma ASI; a anti-enforcement injunction (AEI), que impede os efeitos de uma medida antiprocessual; e a anti-interference injunction (AII), voltada a proteger processos específicos de interferências externas.

“Qualquer tecnologia de celular hoje envolve milhares de patentes. Não se trata de licenciar uma única patente, mas de negociar a totalidade delas. E as medidas antiprocessuais acabam gerando escaladas, verdadeiras guerras, com litígios intermináveis que comprometem a confiabilidade do sistema judiciário e criam insegurança”, afirmou a magistrada brasileira.

A professora da PUC-Rio lembra ainda que esses instrumentos são comuns em países de tradição common law – como Estados Unidos e Inglaterra – mas não possuem previsão no ordenamento brasileiro.

“Na prática, eles criam assimetrias que fragilizam a autonomia jurisdicional nacional”, explica, defendendo que a cooperação internacional é indispensável e que o caminho para resoluções passa, necessariamente, por soluções multilaterais que assegurem a preservação da soberania sem abrir mão da cooperação. “Seria fundamental que os países avançassem na negociação de uma convenção internacional ou mesmo de uma lei-modelo, para que tivéssemos parâmetros comuns. Sou partidária de uma solução construída nesse plano internacional”, conclui.


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