O Ministério da Agricultura emitiu um alerta nacional após identificar lotes de azeites fraudados durante inspeções recentes. A ação ocorre em meio a uma discussão mais ampla sobre a qualidade da alimentação dos brasileiros, marcada pelo crescimento acelerado do consumo de ultraprocessados nas últimas décadas.
Um conjunto de estudos publicados por mais de quarenta cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo, mostra que a participação dos ultraprocessados na dieta brasileira mais que dobrou desde os anos 80, saltando de 10 para 23 por cento. O fenômeno não é isolado. A análise de dados de 93 países indica expansão contínua desse tipo de produto em quase todo o mundo, com exceção do Reino Unido, onde o índice permanece estável em 50 por cento. Nos Estados Unidos, eles ultrapassam 60 por cento da dieta.
Segundo o pesquisador Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, esse avanço é impulsionado por grandes corporações que priorizam produtos ultraprocessados e investem pesado em marketing, influenciando hábitos alimentares e barrando políticas públicas voltadas para dietas saudáveis.
O relatório destaca que, em países como China, Espanha e Coreia do Norte, o consumo triplicou nas últimas décadas. Na Argentina, saltou de 19 para 29 por cento. O aumento também é visto em países de baixa, média e alta renda, com impacto maior em populações de menor poder aquisitivo.
Os cientistas lembram que os ultraprocessados ganharam força após a Segunda Guerra Mundial e se tornaram um fenômeno global a partir dos anos 80, acompanhando o crescimento das taxas de obesidade e doenças crônicas como diabetes tipo 2, câncer colorretal e enfermidades inflamatórias.
Uma revisão de 104 estudos de longo prazo mostra que 92 deles apontam para maior risco de doenças crônicas entre pessoas que consomem esses produtos com frequência. Para os pesquisadores, substituir alimentos tradicionais por produtos ultraprocessados é um dos principais fatores do avanço dessas enfermidades.
A classificação que divide os alimentos conforme seu grau de processamento foi criada em 2009 por pesquisadores brasileiros e é adotada pelo Guia Alimentar da População Brasileira. Ela explica de maneira simples como o processo industrial altera a qualidade da dieta.
Os estudos ainda trazem recomendações. Entre elas, a sinalização clara de aditivos nas embalagens, a restrição do consumo desses produtos em escolas e hospitais, a limitação da publicidade direcionada a crianças e até a cobrança de impostos que permitam financiar alimentos naturais para famílias de baixa renda. O Brasil é citado como referência com o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que ampliou a oferta de alimentos frescos nas escolas públicas.
Os pesquisadores reforçam que a alta presença desses produtos no dia a dia não é culpa individual do consumidor. Eles apontam que o setor de ultraprocessados, que movimenta 1,9 trilhão de dólares ao ano, molda hábitos alimentares em escala global e concentra poder econômico e político suficiente para influenciar políticas públicas nos países.
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