São Paulo, dezembro de 2025 – Entre todas as competências trabalhadas em processos de desenvolvimento de lideranças, uma se mantém como a mais desafiadora: o feedback. A avaliação é de Nathalia Gottheiner, especialista em desenvolvimento humano e fundadora do Centro de Treinamento Executivo Bosque Belo, que conduz vivências de liderança com executivos e equipes de empresas de todo o país.
Segundo ela, o tema “feedback” aparece de forma recorrente como a principal dor nos treinamentos que aplica, não apenas pela técnica, mas pela barreira cultural que o Brasil ainda carrega. “A maior dificuldade que vejo hoje nas empresas não é dar feedback, é ter coragem para dizer o que realmente precisa ser dito. O brasileiro tem uma cultura de evitar desconforto, de contornar o assunto, de ‘florear’ em volta das palavras para não parecer grosseiro. Isso cria ruído, frustração e equipes que não sabem exatamente onde melhorar”, afirma.
Essa percepção é corroborada por dados recentes da Robert Half, que indicam que, embora 45% dos profissionais vejam o feedback anual como uma oportunidade de crescimento, um significativo percentual de 26% nunca recebe avaliação formal e outros 19% consideram as ações existentes insuficientemente estruturadas.
Para a especialista, o medo do líder ser mal interpretado é um dos fatores centrais. “Muitos deles [os líderes] me dizem que evitam falar diretamente porque têm receio de machucar, de parecer agressivo ou de gerar conflito. Só que, quando o feedback não é claro, ele deixa de cumprir sua função. A falta de franqueza não protege ninguém, ela apenas prolonga o problema”, explica.
Presença fora do escritório
O trabalho de comunicação clara e feedback assertivo ganhou força quando Giovanna Rossetto, gerente de RH da Coexpan Sul, decidiu buscar uma experiência fora do escritório para aproximar as lideranças do Brasil e do Chile; em vez de reuniões formais, a solução veio de uma imersão na natureza ao lado de cavalos. “Queríamos algo diferente, que realmente tirasse nossos gestores da rotina e os colocassem em um ambiente de conexão genuína”, lembra Giovanna, ao explicar por que 18 líderes foram levados para dois dias e meio no Centro de Treinamento Executivo Bosque Belo, escolha que também teve valor simbólico pelo apreço do diretor da empresa por cavalos.
As atividades estimularam comunicação, confiança e práticas de liderança, favorecidas pelos animais, que ajudaram a derrubar barreiras linguísticas e emocionais. “Até quem tinha medo do animal acabou relaxando. A conexão com a natureza e com os cavalos nos ajudou a refletir sobre liderança de uma forma prática”, afirma. Segundo Giovanna, os efeitos foram imediatos, com maior integração entre Brasil e Chile, comunicação mais fluida e colaboração reforçada; o vídeo da vivência foi apresentado aos C-levels, que ouviram descrições como “transformador”, “profundo” e “impactante”.
Um traço da cultura brasileira: ser indireto para não desagradar
O comportamento de evitar clareza, segundo Nathalia, tem raízes profundas na forma como os brasileiros se relacionam. Em um país que valoriza conexão, afeto e cordialidade, confrontos costumam ser vistos como ataques pessoais, mesmo quando a intenção é construtiva.
“O brasileiro tem uma aversão enorme ao confronto. Crescemos ouvindo que ‘quem fala demais perde amigo’ e que ‘é melhor deixar quieto’. Só que, na liderança, deixar quieto significa perder performance, perder alinhamento e, muitas vezes, perder talentos”, destaca.
Gottheiner relembra o livro The Culture Map, de Erin Meyer, onde a autora traça alguns pontos de diferentes culturas e como elas reagem ao feedback; o Brasil aparece como uma das sociedades que mais suavizam críticas, adotando uma comunicação de alto contexto, na qual a mensagem raramente é dita de forma direta. “Aqui, o feedback negativo costuma vir acompanhado de elogios, cheio de nuances e expressões mitigadoras, sempre com o objetivo de preservar a relação e evitar constrangimentos. Essa delicadeza, embora demonstre empatia e cuidado, muitas vezes torna o recado menos claro, abrindo espaço para interpretações ambíguas. É um traço cultural que valoriza harmonia e conexão, mas que exige atenção das lideranças para equilibrar gentileza com objetividade quando o objetivo é gerar desenvolvimento real”, enfatiza.
Ela reforça que o problema não é falar com cuidado, mas confundir cuidado com omissão. “Ser direto não é ser duro. É ser responsável. Quando um líder aprende a comunicar expectativas com honestidade, consistência e respeito, ele cria ambientes mais maduros, seguros e produtivos”, diz. “Mascarar a verdade é não ter um ponto de referência para evoluir e quando a gente traz a verdade à tona com a intenção de que o outro evolua, temos um ponto de partida para o desenvolvimento; o feedback é consciência”, complementa.
Em seus treinamentos, Nathalia convida as equipes a saírem do escritório para viverem uma experiência no campo, longe de excel, ppt e se conectam com a natureza. Segundo ela, um dos momentos mais potentes das vivências de seu treinamento acontece quando os líderes interagem com os cavalos, que são animais altamente sensíveis e que respondem à comunicação não verbal, à coerência emocional e à presença verdadeira.
“O cavalo não julga, não interpreta intenção, não faz leitura enviesada das palavras. Ele responde ao que é real naquele momento. Quando um líder vive isso, ele percebe que a comunicação só flui quando há clareza, congruência e presença. Isso libera uma carga enorme de medo e defensividade”, diz a especialista.
De acordo com Gottheiner, durante o treinamento, o feedback é trabalhado na prática. “Trazemos muitas vezes esse assunto como principal e utilizamos a comunicação não-violenta para que os líderes aprendam a dar um feedback mais assertivo”, explica.
Para ela, essa experiência é transformadora justamente porque remove o pano de fundo do julgamento humano. “Com o cavalo, o líder experimenta o que é se comunicar sem medo de ser mal interpretado. Ele vê, de forma prática, como sua energia, seu foco e seu nível de verdade geram respostas imediatas. Isso aprofunda o entendimento sobre feedback, porque mostra que antes de falar com o outro, você precisa estar alinhado consigo”, completa.
A especialista lembra que equipes que recebem feedbacks diretos e consistentes tendem a ser mais alinhadas, mais colaborativas e mais seguras para assumir erros e buscar melhorias. “A liderança brasileira precisa fazer as pazes com a objetividade e clareza. Não é um ataque, é um convite ao crescimento. Quando líderes entendem isso, a performance sobe, a comunicação melhora e a confiança entre as pessoas se fortalece”, conclui Nathalia.
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