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Protestos e tensão marcam primeira semana da COP em Belém

Ocupação da área restrita da ONU e bloqueio indígena marcam primeira semana da Conferência e pressionam governo por respostas

(Foto: Hugo Duchesne)
Ocupação na área restrita da ONU na terça-feira e bloqueio da entrada por indígenas na sexta-feira marcaram a primeira semana da Conferência

Belém – Após três edições em países autoritários, a primeira semana da Conferência do Clima da ONU (COP 30), em Belém (PA), foi marcada por importantes manifestações da sociedade civil.
Ativistas e populações indígenas buscam ampliar cada vez mais a presença dos mais vulneráveis à mudança do clima no evento – ainda restrito aos negociadores dos países, membros de governo e observadores. A Marcha Mundial pelo Clima, que ocorre neste sábado (15), deve se somar à pressão popular sobre a Conferência.

Embora a cidade paraense esteja recebendo manifestações desde a semana passada, foi uma ocupação na blue zone (área restrita da ONU) na terça-feira (11) que estremeceu a agenda do evento. Manifestantes que protestavam contra os combustíveis fósseis tentaram ultrapassar a área do credenciamento e entraram em confronto com seguranças. 

Após o episódio, o secretário-executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell, demandou ao governo brasileiro um plano para lidar com a segurança do evento e as ‘más condições’ da Conferência, como o calor excessivo e o alagamento de áreas internas e do entorno, durante fortes chuvas. 

Desde terça-feira, a segurança do evento foi reforçada com agentes armados da Força Nacional e do Exército brasileiro. Viaturas e cercas de proteção extra passaram a fazer parte da paisagem da entrada do evento.

Bloqueio
Já na manhã de sexta-feira, cerca de 90 indígenas do povo Munduruku bloquearam a entrada da blue zone e pediram uma reunião com o presidente Lula (PT). Eles foram protegidos por um cordão humano formado por ativistas não indígenas. O presidente da COP, André Corrêa do Lago, a CEO do evento, Ana Toni, e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, receberam os indígenas em um prédio próximo. 
“Estão negociando a nossa terra, mas nunca chamaram a gente [para saber] o que estamos sentindo na pele”, disse.

Alessandra Munduruku ao presidente da COP e às ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara, durante a reunião. No mesmo encontro, Marina disse aos indígenas que o presidente Lula havia pedido que os indígenas fossem recebidos com dignidade. 
O governo também prometeu atuar para continuar a expulsar invasores de terras indígenas, embora a causa maior para as manifestações tenham sido o Decreto 12.600, que destina os rios Tapajós, Madeira e Tocantins para concessão à iniciativa privada. 

Logo após  a reunião, a CEO Ana Toni afirmou que os protestos indígenas de sexta-feira são legítimos e fazem parte da democracia brasileira. “O presidente Lula poderia ter escolhido São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, mas não veríamos os povos indígenas como estamos vendo aqui. E estamos dialogando com eles”, afirmou.

Consequências
Embora as manifestações tenham gerado consequências iniciais, como a escuta dos indígenas Munduruku pelo governo brasileiro, a representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Angela Kaxuyana, diz que ainda há uma carência de ações concretas por parte da gestão federal.

 (Foto:  Hugo Duchesne)
(Foto: Hugo Duchesne)
“Esse é o maior desafio, porque não é falta de receber as delegações indígenas. A gente tem um histórico disso. O próprio presidente Lula já recebeu. A questão é que essas promessas são controversas. O próprio presidente Lula tem dialogado com os povos indígenas mas, ao mesmo tempo, autorizado a exploração de gás e petróleo na foz do rio Amazonas”, diz.

Embora as manifestações tenham gerado reações da presidência da COP e da ONU, ainda é preciso de mais tempo para compreender o impacto dos protestos nas negociações em andamento na COP.
A especialista em estratégias internacionais do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Cíntya Feitosa, explica que há um formato de participação de organizações em que é possível acompanhar os posicionamentos dos países e, inclusive, dialogar com os negociadores. 

“As coisas que acontecem fora da COP chegam como forma de notícia, de urgência, e isso sempre aparece nas falas de negociadores ou talvez na presidência da COP a respeito de como a sociedade espera que saiam resultados robustos daqui se essa é para ser, realmente, a COP da implementação”, diz.

Falta de espaço
O ativista indígena Tom Goldtooth, que participa das COPs desde 1998, diz que a limitação da sociedade civil é um problema antigo que precisa ser superado. Ele integra a organização Indigenous Educational Network da Ilha da Tartaruga, uma maneira decolonial a que parte dos povos indígenas da América Central e do Norte se referem ao continente. 

 (Foto:  Hugo Duchesne)
(Foto: Hugo Duchesne)
“A gente se pergunta: por quê? E a resposta é que eles não querem ouvir e não querem alterar suas metodologias para incluir a participação da sociedade civil. Esse é o problema número um”, afirma.
Ele ressalta que a presença da população no evento, após três décadas, fica sujeita ao país anfitrião. Nas COPs 27 (Egito), 28 (Dubai) e 29 (Azerbaijão), as manifestações eram proibidas ou limitadas.
“Isso realmente nos atrasou porque, olhando para os anos em que participei das COPs, vejo que é a mobilização da sociedade civil como representação de um movimento de mudança, por meio dos seus manifestos que ganha força e fornece impulso político para que os governos ouçam e avancem”, avalia.
Caetano Scannavino, coordenador do projeto Saúde e Alegria e membro do Observatório do Clima, avalia que o protesto  de terça-feira,  que culminou na invasão da área restrita da ONU foi além do que poderia, mas, ao mesmo tempo, entende que a manifestação acabou ecoando a mensagem que desejava passar desde o início.
“A gente passou uma tarde bem sucedida, lançamos a rede Saúde e Clima, seguida da marcha da Saúde e Clima, que terminava ali no final da rua doutor Duque de Caxias, mas um grupo decidiu continuar. A gente sempre fala que é uma COP da participação social, de um grito que está retido.  Nesse caso, as emoções foram um pouco mais além do que a gente gostaria. Felizmente não houve danos maiores, mas, no mérito, tem um grito que faz sentido, principalmente para aqueles povos indígenas que se posicionaram”, comenta.
Ele entende como válidas as críticas à falta de mais credenciais para representantes de comunidades vulneráveis à mudança do clima, como as populações indígenas. “Elas acabam indo, em grande parte, para representações empresariais, por exemplo”, pontua.
A COP 30 tem um total de aproximadamente 50 mil participantes esperados, incluindo observadores, delegados, jornalistas e representantes da sociedade civil. O número específico de entidades ou indivíduos classificados estritamente como “observadores” não é detalhado separadamente, mas o governo brasileiro estima cerca de 900 indígenas credenciados. O número total, em Belém, considerando aqueles que participam de áreas abertas ao público geral, chega a 5 mil.

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